À Conversa com Altamiro da Costa Pereira (Parte 2)

2ª Parte – Direção da FMUP

O que o motivou para ser diretor?

Com toda a sinceridade, nesta altura já da minha vida, eu nem estava a pensar concorrer a diretor da FMUP. Embora tivesse já concorrido à direção da Faculdade por duas vezes (em 2006 e em 2014), não era para ter concorrido desta vez, por questões pessoais, académicas e familiares relevantes. Na verdade, tentei convencer vários colegas que tivessem uma visão de política universitária semelhante à minha, e em quem eu confiasse para a virem a implementar. Mas não foi possível, e no final de uns meses, ou eu avançava ou não haveria um candidato de oposição.

Aliás, já nas eleições para Reitor da UP, em 2002, a situação de me sentir compelido a avançar não foi diferente. De facto, quando nessa ocasião concorri, foi porque achei que era uma altura muito importante para a Universidade do Porto e, muito particularmente, para a Faculdade de Medicina, porque sabia que o governo iria investir numa série de novos edifícios para as Ciências de Saúde (e.g. CIM/FMUP, ICBAS, Farmácia, FCNAUP, etc.) e era, assim, uma altura em que se poderiam fazer, com mais facilidade, as importantes mudanças estruturais que – já nessa altura e na minha opinião – se impunham à própria Universidade do Porto. Por exemplo, a restruturação da área das Ciências da Vida e da Saúde, aproveitando para se fazer algumas importantes fusões entre escolas complementares ou mesmo congéneres que poderiam tornar mais eficiente o ensino e a investigação nestas áreas.

Mas, uma vez mais, não havia ninguém que estivesse ou se mostrasse disponível na FMUP. Ninguém que se quisesse voluntariar para tal missão, embora eu tivesse sondado vários colegas mais velhos, mais experientes e com bem mais prestígio que eu na Universidade do Porto. Teria de ser obrigatoriamente um professor catedrático – e eu até era o mais novo nessa categoria –, mas não fui de todo bem-sucedido em encontrar um candidato oriundo da FMUP.

E, porque não tinha outra alternativa, acabei por decidir concorrer eu próprio pois, sempre que concorri a algum cargo universitário, fi-lo também por pretender fazer alterações nas políticas ou nas estruturas universitárias. Sabem, como já vos disse logo no início desta entrevista, eu sou razoavelmente heterodoxo e, sobretudo, gosto de induzir mudanças que considere necessárias!

Ou seja, eu nunca desejei as direções da Faculdade ou da reitoria por si próprias (isto é, pelo eventual prestígio do cargo ou por um qualquer desejo de protagonismo pessoal), mas antes para tentar implementar reformas e novas políticas institucionais. E, quando não há mais ninguém que se queira “chegar à frente” ou “dar a cara” a esses projetos inovadores e até por vezes controversos, deverá então ser o próprio – que defende, com convicção, essas mudanças – a tentar fazê-lo, sob pena de inconsistência, preguiça ou cobardia.

Na verdade, desde que fui eleito diretor da FMUP, acho que muitas coisas, politicamente, têm vindo já a mudar na FMUP. A começar no posicionamento da Faculdade perante a Reitoria que espero que passe a ser mais crítico e interventivo, embora sempre pela positiva. Por exemplo, na abertura das necessárias vagas de promoção ou rejuvenescimento do corpo docente da Faculdade ou na recuperação do seu controlo em assuntos cruciais como os recursos humanos ou financeiros, ou mesmo na criação de um novo laboratório associado na área da saúde na UP, envolvendo unidades de I&D como a Unidade de Investigação Cardiovascular (UnIC), o CINTESIS, o ISPUP e outras do universo UP. Outro posicionamento da Faculdade que importará igualmente mudar é perante o Centro Hospitalar Universitário de S. João (CHUSJ). Por exemplo, estreitando estratégias de desenvolvimento conjunto, como a promissora criação do Centro Académico Clínico do Porto – CAC Porto. Acho que também se tem vindo a mudar a postura profissional de muitos técnicos e docentes dentro da própria Faculdade, existindo hoje – ou pelo menos é nisso que acredito – uma maior comunicação, transparência e um maior envolvimento de todos, na análise das situações e dos problemas que são comuns à nossa comunidade da FMUP.

 

Tendo em conta a sua experiência como diretor da FMUP, como se gere uma faculdade como a FMUP?

Há cerca de 20 anos, já fui vice-diretor da Faculdade, tendo como diretor o Professor José Amarante, tenho estado ainda há mais anos no Conselho Científico e passado também alguns anos pelo Conselho de Representantes, mas posso dizer-vos que, quando cheguei agora a diretor já não conhecia muito bem a Faculdade. De facto, eu conhecia-a bem há 20 anos, mas não a conhecia mais, porque saí já há uns largos anos dos corredores do edifício partilhado com o Hospital de S. João – quando o meu antigo serviço (o SBIM) foi para o CIM – e, desde então, dediquei-me mais ao desenvolvimento do MEDCIDS e do CINTESIS.

Na verdade, quando tomei posse em novembro de 2018, como diretor, a Faculdade, apesar da sua dimensão e complexidade, não tinha um engenheiro que cuidasse dos edifícios ou das manutenções, não tinha um arquivista, não tinha um gestor. Mas encontrei pessoas licenciadas em Bioquímica a abrir portas e outras a fazer marcação de salas. Portanto, pelo menos para mim que acabava de chegar, a FMUP era uma entidade bastante desorganizada, para não dizer quase caótica. Como exemplo, posso-vos dizer que encontrei no departamento do diretor, ou seja, no departamento não académico, quase noventa técnicos, extremamente dispersos, funcional e geograficamente. E como gerir uma faculdade ou qualquer outra organização é sobretudo gerir pessoas – de modo a que elas se sintam bem e possam ser produtivas e eficientes –, a situação com que me deparei inicialmente era um pouco assustadora. Neste momento, embora ainda haja muito a fazer em termos de reorganização dos departamentos e de requalificações de espaços – sobretudo no edifício que partilhamos com o CHUSJ –, espero poder ainda vir a mudar muitas coisas até ao final deste meu mandato, entregando assim, a quem me vier a suceder, uma Faculdade sólida e capaz de se desenvolver (quase) por ela própria e não uma instituição desanimada ou (quase) em decadência.

Ou seja, no meu caso, gerir a FMUP é, pelo menos de momento, gerir desde o infinitamente pequeno (e.g. querelas pessoais desnecessárias e injustificadas) até ao infinitamente grande (e.g. a renovação dos quadros da Faculdade ou a requalificação e/ou a expansão dos espaços físicos e dos equipamentos, que poderão vir a custar mais que todo o atual orçamento anual da FMUP). E tentar também conseguir encontrar os meios humanos e financeiros necessários para os objetivos mais ambiciosos!

Por outro lado, nas últimas décadas, assistiu-se a uma grande concentração de poder, na figura do diretor e passo ainda muito do meu tempo a dizer “Isto não é bem comigo… Por favor fale antes com fulana ou beltrano que poderão tratar melhor deste assunto que o diretor”. Realmente, tudo estava demasiadamente concentrado na figura do diretor, em vez de estar descentralizado e articulado, como tenho tentado agora fazer. Embora, tenho também de o reconhecer ainda esteja um pouco longe de o ter já conseguido. Mas torna-se cada vez mais óbvio que uma organização com o tamanho atual da Faculdade não pode continuar a ser gerida por (quase) uma só pessoa (como o Secretário da FMUP ou o Diretor), como o foi até há bem pouco tempo. Hoje, não só isso é um absurdo como uma completa impossibilidade!

Mas alguém achará que a Câmara do Porto é gerida apenas pelo esclarecido Dr. Rui Moreira? Ou Nova Iorque é apenas gerida pelo seu dedicado Governador? O que os verdadeiros líderes têm de fazer é garantir uma boa, justa e eficiente organização, garantindo que a informação relevante e as principais decisões passem por áreas técnicas ou académicas específicas e por pessoas experientes, sabedoras e que sejam da sua confiança.

Portanto, isso é o que eu mais tenho tentado fazer e tem sido, confesso-vos, uma tarefa bastante difícil e árdua. Por isso é que, e apenas dando por exemplo o MMED, eu não tomo, na prática, qualquer decisão, nem sequer ando a ver o que é que a Professora Dulce Madeira faz ou deixa de fazer no Mestrado Integrado em Medicina da FMUP. Ou seja, a Professora Dulce Madeira, em conjunto com a sua comissão científica do MMED, é quem toma 95% das decisões pois, no seu dia-a-dia, está 100% dedicada a acompanhar os problemas que lhe vão surgindo. A começar até pelo cálculo das necessidades contratuais dos docentes necessários, em articulação com os regentes das unidades curriculares, com os diretores de departamento e o subdiretor da Faculdade.

Estou também a tentar que dos departamentos académicos às unidades curriculares, dos cursos às unidades de investigação ou às unidades de recursos do departamento não académico, tudo venha a ser gerido de igual modo, com grande autonomia e grande responsabilidade.

Na verdade, a principal tarefa do diretor da Faculdade poderá, em breve, vir a ser a coordenação das áreas de recursos humanos e financeiros da FMUP, para além, obviamente da definição e implementação da sua visão estratégica para a instituição, ouvida a comunidade da FMUP. Ou seja, espero rapidamente delegar a maioria dos pelouros ou unidades do planeado Departamento de Recursos Centrais da Faculdade para os vogais e subdiretor do Conselho Executivo.

Por exemplo, imaginemos a Unidade de Comunicação e Imagem da FMUP. Espero, e tem vindo a acontecer cada vez mais isso, que a Doutora Olga Magalhães tome conta de mais de 90% desse tipo de questões. Outro exemplo: cada uma das duas unidades de investigação acolhidas na Faculdade (ou seja. CINTESIS e UnIC) deverão passar a colaborar mais eficientemente, com as novas estruturas de investigação e inovação que estão também a ser planeadas na própria Faculdade, sob a coordenação do Doutor António Soares. É que não faz qualquer sentido, económico ou mesmo científico, criar-se uma terceira estrutura para dar apoio a docentes e investigadores da FMUP, ou mesmo do CAC do Porto. Mas sim tentar-se que a atual estrutura de investigação da UnIC se junte à do CINTESIS ou mesmo à do CHUSJ e todas, em conjunto, interajam e se articulem entre si, de modo a prestarem serviços a todos os investigadores da Faculdade e/ou do hospital, inscritos nestas unidades. Já os outros investigadores, poderão continuar a fazê-lo junto das suas próprias unidades, como o I3S ou o ISPUP.

Ou seja, este tipo de abordagens integrativas e que promovam uma maior eficiência de recursos técnicos e humanos terá de vir a acontecer em muitas outras áreas, de modo a conseguir-se mais resultados com menos recursos, algo a que nos teremos cada vez mais de nos habituar, sobretudo nesta fase pós-pandémica.

Dito por outras palavras: o que é que faz ou deveria fazer um diretor de uma Faculdade como a FMUP?

“O diretor deveria (…) tomar decisões de fundo e deveria dar orientações estratégicas, de maneira a conseguir concretizar os objetivos por ele definidos, no âmbito da sua política institucional.”

O diretor deveria e tem de ser a pessoa que, ouvindo os órgãos colegiais de gestão da Faculdade (isto é, os Conselhos Científico e Pedagógico, para além do seu próprio Conselho Executivo), ouvindo os diretores de Departamento, ouvindo os docentes, os técnicos, os estudantes, ou seja todas pessoas da comunidade FMUP, deveria tomar decisões de fundo e deveria dar orientações estratégicas, de maneira a conseguir concretizar os objetivos por ele definidos, no âmbito da sua política institucional.

E, politicamente, eu quero reorganizar a Faculdade, pois acho que ainda não está suficientemente organizada, ainda há coisas que não fazem para mim um grande sentido. Por exemplo, no edifício do CIM, no edifício poente, digamos no dos laboratórios húmidos, onde está o atual departamento de Biomedicina, para mim não faz sentido que a Fisiologia não faça parte desse departamento, embora continue a partilhar atualmente esse espaço e sempre tenha estado no mesmo grupo científico de muitas outras unidades que também aí estão alojadas. Na verdade, pelo menos para mim e certamente para a maioria dos docentes da FMUP, a Fisiologia é, fundamentalmente, uma disciplina ou unidade curricular dos três anos mais básicos do MMED e deveria estar, funcional e operacionalmente, integrada no Departamento de Biomedicina. Portanto, para mim, não faz sentido que ela esteja atualmente integrada no departamento de Cirurgia, que é algo completamente diferente, de natureza clínica e com um forte componente assistencial e hospitalar. Digamos, poderá muito bem haver cirurgiões que também possam ser fisiologistas, como poderá haver médicos de muitas outras especialidades que possam também participar no ensino e na investigação da Fisiologia, mas as necessidades laboratoriais ou científicas da Fisiologia ou da Cirurgia são diferentes, na FMUP e no resto do mundo. E, como tal, deverão ter espaços e estratégias de desenvolvimento e lideranças próprias. E há muitas outras áreas que terão igualmente de ser reorganizadas de forma mais adequada e institucional, e menos dependentes de personalidades ou de acidentes fortuitos, fruto de determinados momentos históricos ou de desenvolvimento da Faculdade, por mais meritórios que possam ter sido no passado. De facto, se uma instituição deverá ter memória e não esquecer a sua história, também não deverá permanecer acorrentada a ela, senão corre o risco de não estar preparada para estar na vanguarda do futuro!

De igual modo, neste preciso momento, estou pessoalmente muito empenhado em “arrumar” o chamado departamento não-académico que se irá designar por Departamento de Recursos Centrais. Com a ajuda dos seus inúmeros técnicos, estou a tentar reorganizá-lo, subdividi-lo, e estão em via de ser constituídas já perto de 20 “Unidades de Recursos”, tais como as de Recursos Humanos, Académicos, Animais, de Equipamentos e Instalações, Tecnológicos, Sociais, Comunicação e Imagem, Financeiros, Investigação e Inovação, entre muitas outras, cada uma delas com um técnico responsável, sob a alçada de um membro do Conselho Executivo. Na verdade, estando tudo isto melhor organizado, as pessoas passarão a saber quem são os responsáveis por uma dada área funcional da FMUP e que papel é que tem cada um dos(as) técnicos(as) que lá trabalhem e que deverão ser capazes de dar resposta às necessidades de toda a Faculdade, a começar pelas dos seus departamentos académicos. Provavelmente, vocês na AEFMUP também têm algumas unidades funcionais, não estarão todos a fazer a mesma coisa ou todos num grande e informe magote!

Em suma, em primeiro lugar, acho que o primordial a fazer passa por “arrumar a casa”, diminuindo assim a ineficiência, o desperdício, a falta de iniciativa e a falta responsabilização individual e institucional de alguns dirigentes e dirigidos. Enquanto não o fizer não se conseguirá avançar com eficácia. Mas é também claro não pretendo esgotar a minha ambição nesse desiderato, pois tenho muitos mais objetivos que gostaria de ver igualmente concretizados. Por exemplo, tenho a ambição de requalificar toda a parte edificada da Faculdade, em condomínio com o CHUSJ, que não tem beneficiado de obras há já mais de sessenta anos. Por exemplo, quando o CIM foi construído, havia todo um plano, aprovado pela Reitoria da UP e até já com financiamento previsto, de requalificação dessas instalações iniciais da FMUP. Ou seja, nessa altura, estava tudo adequadamente pensado. Aliás, isso tinha sido planeado ainda enquanto fui vice-diretor da Faculdade. Contudo, como diria Camões, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Mudam-se os diretores e os reitores e quando as obras acabaram finalmente por serem iniciadas, realmente nada foi feito nas antigas instalações, pois só foram implementados os três edifícios do CIM, caindo no esquecimento todo o plano de recuperação dos espaços abandonados pelos departamentos que passaram para o CIM.

Ou seja, a prevista remodelação do velho edifício não foi feita aquando da construção das novas instalações da Faculdade. Nem dos espaços abandonados nem daqueles onde ainda hoje permanecem muitos dos serviços e laboratórios da Faculdade que, neste momento, estão francamente decrépitos, em clara decadência ou mesmo votados ao abandono, sem qualquer serventia, ao mesmo tempo que a FMUP tem enormes carências de espaços administrativos e pedagógicos. Bastará pensarmos na instalação dos tais noventa técnicos do departamento não académico que vos falava.

Portanto, eu queria não só requalificar todos estes espaços, como queria fazer muitas outras obras de requalificação para também poder servir os estudantes. Por exemplo, todo o piso 01 da AEFMUP, mais as áreas no 02 que pertenciam ao antigo SBIM, precisão também de ser remodelados e modernizados.

 

Entrevista realizada por Beatriz Sá, Rafaela Sá e Sara Monte.

.

Vê aqui a Parte 1 e a Parte 3!