Cláudia Miguel

MOÇAMBIQUE

Chamo-me Cláudia, tenho 24 anos, sou de Gondomar e estou no 6º ano do MIMED. Dois dos motivos que me levaram a escolher Medicina na altura de ingressar para a faculdade foram, por um lado, a vontade de fazer algo com um impacto positivo na vida dos outros e, por outro, o facto de gostar de pessoas, de conhecer as suas histórias e de aprender com elas. Foram também esses os motivos pelos quais, em 2017, decidi que fazia sentido partilhar o meu tempo e juntar-me a um projeto de voluntariado.

O Grupo de Ação Social do Porto cativou-me desde logo pelos valores que defende e pelo impacto dos seus projetos no distrito do Porto e na Vila da Macia, em Moçambique. O facto de promover uma ação contínua, ao longo de todo o ano, que alcança um grupo de pessoas amplo, entre elas crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência, aliado às missões nacionais e internacionais que desenvolve no Verão, fizeram-me abraçar o compromisso com a organização e tornar-me voluntária. Desde então, fui integrada no projeto 100Diferenças e desenvolvo a minha atividade de voluntariado semanal num dos Centros de Atividades Ocupacionais da APPACDM. São duas horas por semana em que a alegria e energia das pessoas que servimos tomam conta de nós e se sobrepõem a todos os compromissos e preocupações que nos consomem no nosso quotidiano. São momentos que nos ensinam sobre cuidado, entrega, responsabilidade e que nos fazem perceber que, por vezes, estar presente é mais do que suficiente para melhorar o dia de alguém.

No final do meu primeiro ano no GASPORTO, fiz missão nacional durante duas semanas na Casa do Xisto, em Valongo, onde se desenvolvem atividades de ocupação de tempos livres para crianças e jovens com deficiência. Nas colónias de Valongo, o cuidado com que cada atividade é pensada garantindo sempre que cada menino, independentemente das suas dificuldades, tem a possibilidade de participar é comovente e inspirador. Tive o privilégio de viver duas semanas em que brinquei como se fosse criança, ri todos os dias sem exceção, dancei e cantei sem medo. Acima de tudo, aprendi sobre a necessidade urgente de se praticar uma inclusão real, de se unirem esforços para que a acessibilidade não seja limitada e as oportunidades não deixem de existir para quem é diferente. Aprendi que não é uma luta fácil, mas também percebi que é possível. E esta é uma lição que nunca vou esquecer.

Em julho de 2019, no final do meu segundo ano de voluntariado, parti em missão para Moçambique com mais quatro voluntárias. O GASPORTO desenvolve três projetos na Vila da Macia. O Pfuka U Famba (Levanta-te e Anda, em changana) é um centro de reabilitação nutricional para crianças com subnutrição ligeira a moderada, que providencia leite adaptado e papas enriquecidas fundamentais para a sua recuperação. A par do restabelecimento nutricional, o Pfuka promove um sentido de responsabilidade coletivo, funcionando como um centro comunitário que depende do trabalho das mamãs que são integradas no projeto e cultivam na machamba (horta) os alimentos que servirão para cozinhar as papas, promovem a limpeza e organização do centro e participam em formações regulares sobre saúde, higiene, alimentação, direitos das mulheres, entre outros temas importantes para a sua capacitação e autonomia. O Kukula é o projeto desenvolvido na área da educação, que adquire uma importância enorme num contexto em que, regra geral, as turmas das escolas integram entre 70 a 80 alunos. Inclui quatro centros de explicações onde, durante o ano letivo, se lecionam aulas de Português e Matemática, no sentido de se reforçar, de forma dinâmica e lúdica, a aprendizagem das crianças com maiores dificuldades. Finalmente, o Crescer de Mãos Dadas é o projeto de apadrinhamento de crianças órfãs e vulneráveis, que apoia cerca de 100 crianças e as suas famílias, garantindo as condições necessárias para o bem-estar do afilhado, um acompanhamento contínuo do seu percurso escolar e auxílio em caso de doença ou de qualquer necessidade que surja. Os afilhados estabelecem uma relação de proximidade com os seus padrinhos, em Portugal, através da troca de cartas, fotos e vídeos.

Foram-nos atribuídos objetivos nos três projetos, relacionados com a reabilitação dos espaços físicos onde decorrem as aulas das crianças, com as formações e atividades de estímulo psicomotor e cognitivo dos bebés do Pfuka e com o planeamento e acompanhamento de atividades como o Dia da Praia, o Dia dos Valores, entre outros dias diferentes que quebram a rotina moçambicana e proporcionam experiências novas aos nossos afilhados. Todos os objetivos foram desenvolvidos sempre em colaboração com os profissionais locais que trabalham ao longo de todo o ano em cada um dos projetos.

Quando falo sobre Moçambique, começo sempre por dizer que não é fácil falar sobre Moçambique. Quase 6 meses passados desde o regresso, a saudade continua a doer um bocadinho e as palavras continuam a não ser suficientes para descrever os dois meses em que a Vila da Macia foi a minha (nossa) casa. Na Macia, os dias começam bem cedo, com imenso barulho e movimento nas ruas e nos mercados. Fazemos o nosso caminho pelos bairros com a certeza de que vamos ser saudados por imensas pessoas que se cruzam connosco, conhecidas ou não, num cumprimento que nos faz sentir parte de uma enorme família. Foi em Moçambique que eu aprendi a gostar de caminhar sem fones, sem ruído a distrair-me do que se passa em meu redor. Aprendi a apreciar a beleza das cores do céu, das paisagens, dos mercados e das capulanas, a aproveitar cada diálogo inesperado e a ser contagiada pela alegria que tão bem carateriza o povo moçambicano. Na Macia, aprendi também o significado de ter matimba (força). Assistimos a situações em que necessidades básicas e direitos fundamentais não são garantidos e a um quotidiano duro que exige muito de todos, desde tenra idade. E, ainda assim, as pessoas não deixam de sorrir, de acarinhar, de partilhar e, o mais surpreendente, de confiar. Todos os dias aprendi com o trabalho incansável de homens, mulheres e crianças da comunidade. Aprendi também com a gratidão daqueles que servimos e que nos dão tanto, sem saber.  Regressei a Portugal com a certeza de que tinha deixado um bocadinho de mim naquela minha nova casa e de que trouxe um bocadinho dessa casa no meu coração.

Ser voluntária de uma organização não-governamental para o desenvolvimento e servir em contextos tão diferentes é uma oportunidade de crescimento incrível. Fez-me perceber que todas as pessoas são um bocadinho nossas (as de “cá” e as de “lá”) e que a vida faz muito mais sentido quando a partilhamos com elas. A beleza da empatia está na capacidade de um ser humano compreender o sofrimento do outro, mesmo que nunca tenha vivido uma experiência semelhante na primeira pessoa, e ser voluntário não é mais do que colocar a empatia em prática e testemunhar o impacto positivo dos mais simples gestos na vida de quem servimos. E eu sei que pode soar a cliché dizer que recebemos muito mais do que damos, mas se eu tivesse que resumir o que é voluntariado em poucas palavras, diria precisamente que é uma troca recíproca de tempo, vivências e afetos e que saímos de cada experiência mais ricos, mais tranquilos e, sobretudo, mais felizes.