Série de Minientrevistas COVID-19 – #2

Com a COVID-19 muita coisa mudou nos últimos tempos. Há cerca de quase 2 meses que Portugal parou, sendo a classe médica um dos muitos soldados na linha da frente do combate ao vírus.

Esta “Série de Minientrevistas – COVID-19” é uma iniciativa dos estudantes da Unidade Curricular – Integridade Académica da FMUP, coordenada pela Professora Laura Ribeiro, que pretende ouvir figuras conhecidas dos estudantes sobre assuntos emergentes da pandemia por COVID-19.

 

Vejam as respostas do nosso segundo convidado, o Professor Agostinho Marques Lopes, Médico Pneumologista e Ex-Diretor da FMUP, nesta discussão sobre a atualidade, o futuro da educação médica e do nosso curso!

– Qual poderá ser o contributo dos estudantes de medicina dos anos básicos e clínicos no panorama actual?
R: Ao longo da evolução da epidemia imaginei papéis diferentes para estudantes de Medicina. No início, a expectativa era de uma epidemia explosiva a esgotar rapidamente os recursos do SNS como sucedeu no norte da Itália. Nesse cenário parecia-me desejável um grande contributo voluntário, nomeadamente em tarefas de organização de fluxos de doentes pelos serviços, com aplicação de inquéritos simples para separar doentes COVID de outros doentes, poupando médicos para tarefas assistenciais inadiáveis. Seria uma atividade à altura de estudantes de Medicina. Também nessa fase inicial equacionamos o seu contributo em centros de chamadas telefónicas da população geral, após algum treino específico.

Com o avançar do processo para um certo grau de controlo, o papel de voluntários passou a ser menor. Neste momento são bem-vindas ações organizadas junto das populações para ajudar a passar a ideia de que a retoma das atividades correntes não pode ser razão para negligenciar os cuidados gerais de prevenção.

Globalmente poderia ter sido uma oportunidade de formação de grande valor que dificilmente ocorrerá de novo para esta geração.

– Que alterações poderá o curso sofrer, ao nível dos conteúdos e métodos de ensino, após esta pandemia? Haverá impacto na forma como os estudantes vão exercer medicina? 

R: As grandes epidemias do passado chegaram e passaram como as guerras. Terminado o choque e sofridas as consequências iniciais, as pessoas ficam ávidas de retomar a vida normal e esquecer os traumatismos passados. Penso por essa razão histórica que não haverá grandes mudanças, ao contrário do que é geralmente afirmado.

A vida está cheia de situações em mudança rápida. Há muito que entendo que os estudantes de Medicina devem ser preparados para mudanças inesperadas e não para quaisquer cenários específicos a 5, 10 ou mais anos. A ocorrência desta epidemia apenas ilustra esta mensagem e serve para convencer da necessidade desta visão os responsáveis conservadores mais resistentes.

– Como vê a profissão médica no final desta pandemia?  Será mais valorizada? Serão as condições profissionais? 

R: Tenho poucas ilusões. Este coro mediático de apreço pelos profissionais de saúde que as televisões mostram é reforçado e negado todos os dias na intervenção clínica. Os doentes agradecem ao pessoal de saúde e culpam o mesmo pessoal pelas dificuldades que sentem. Acontece o mesmo com os responsáveis políticos. Note-se que neste mês são lançados os aumentos salariais (diminutos) da função pública; os do pessoal da saúde são deixados para mais tarde devido a dificuldades administrativas, dizem. Isto mostra um apreço menor pelo pessoal de saúde do que o que afirmam diariamente.

Como não vejo que a pandemia traga alterações substantivas, ressalvo a absoluta necessidade de que sejam os próprios médicos (e estudantes de Medicina) os agentes ativos das mudanças para se manterem inseridos nos processos de transformação sem se deixarem submergir por eles. Farão este trabalho ao cuidarem da sua formação dentro de carreiras médicas exigentes e através da intervenção cívica integrados em organizações representativas (Sindicados e Ordem dos Médicos).

– Que lições podemos tirar desta pandemia? 
R: Há várias lições. A primeira diz respeito à fragilidade da nossa segurança. Ninguém previu estes acontecimentos que desabaram implacáveis sem pedir licença.

A segunda diz respeito à capacidade de resposta do sistema de saúde. Apesar das inúmeras dificuldades, o SNS foi capaz de proceder a grandes alterações e ampliar a capacidade de responder a doentes graves, de modo a conter a epidemia dentro dos limites da resposta especializada aos doentes frágeis, passíveis de morrer da doença, com muito mais competência do que os homólogos europeus. Para isso adiou-se a resposta habitual a situações clínicas correntes, mas mesmo aí houve alterações de serviços muito bem conseguidas.

Constatou-se que a resposta foi melhor nas áreas geográficas de melhor organização dos serviços de saúde. Curiosamente a zona do País com melhores indicadores de saúde é a Região Norte e foi aí que a epidemia começou e onde a sua gravidade foi máxima. Assim se pode testar a capacidade de resposta que foi muito bem conseguida. Ficou também demonstrado que um Serviço Nacional de Saúde de qualidade é imprescindível para a respostas de rotina e para situações de exceção.

No futuro, quando menos se esperar, haverá outros acontecimentos deste tipo, seja um atentado bombista nuclear ou sabe Deus o quê. É bom que nos fique a consciência da necessidade de estarmos bem preparados em termos médicos e livres porque quando as situações são excecionais, as respostas têm de ser rápidas e criativas.

Entrevista realizada por Mário Silva.