Rui Miranda

ESPANHA
Olá a todos, o meu nome é Rui Miranda, tenho 22 anos (quase 23, estão todos convidados, desde já, para a minha festa de aniversário, eu depois mando-vos o meu handle do HouseParty) e, durante o mês de julho de 2016, era eu um embrião acabado de sair do primeiro ano da FMUP, fiz parte do GoScorp, em Barcelona. O GoScorp é um programa de intercâmbio para alunos de faculdades médicas, criado pela IFMSA (à semelhança do Scora X-Change, por exemplo) e posto em funcionamento em vários países, dentro e fora da Europa. No seu cerne um programa internacional de voluntariado, o GoScorp tem como objetivo principal a ação social e de integração, orientada a grupos de jovens em risco de exclusão, identificados, em centros de ocupação de tempos livres, da cidade. Pela primeira vez no meu ano, o GoScorp alargou o seu âmbito de atuação também aos núcleos crescentes de refugiados, que se haviam tornado ubiquitários na Europa, na altura, não tendo sido eu, no entanto, um dos escolhidos para lidar com estes grupos específicos.
A ideia geral era simples: duas semanas em Barcelona, a trabalhar num centro com jovens, desenvolver aulas de inglês básicas que lhes pudessem ser úteis, no quotidiano e no futuro e, ao mesmo tempo, expô-los à nossa realidade, enquanto estudantes de medicina, de países mais ou menos distantes e com culturas de “exotismo” variável. Claro que isto, aliado, ao prometido rico programa social e às diversas atividades de formação em soft-skills de comunicação, facilitaram a decisão (algo impulsiva, ainda assim) de participar. Ignorava eu o quão determinante, desafiante e enriquecedora esta experiência se iria revelar.

Escapuli de Portugal, depois do exame de Saúde das Populações, de época normal (na fé!), num avião madrugador, daqueles low-cost, chegando a Barcelona a meio da manhã. Só em solo catalão, um par de meses depois da minha candidatura ter sido aceite, conheci, finalmente, o meu grupo de companheiros de aventura. Éramos oito: um trio de lusitanos, uma parelha de tunisinas, uma marroquina, um finlandês e um taiwanês e, naquele par de semanas, fomos o elenco de uma sitcom multicultural, a viver em conjunto num prédio de 3 andares, de Vallcarca, cheios de vontade de ajudar, explorar, de ensinar e de aprender muito!

Divididos em grupos, passávamos todas as manhãs (exceto domingos) com “as nossas turmas”, distribuídos um pouco por toda a cidade. Emparelhado com uma das tunisinas, fiquei responsável pelos jovens de um centro localizado perto da Plaça de Catalunya. Nessas manhãs, acordávamos bem cedo para rever os conteúdos que íamos abordar e, já lá, púnhamos em prática as “aulas”, preparadas na noite anterior, com jogos simples e divertidos que, gradualmente foram quebrando o gelo e aguçando o interesse dos jovens que iam aparecendo. A comunicação era atabalhoada, inicialmente, não o posso negar. Muitos dos jovens que tínhamos na frente tinham pouco à vontade linguístico, mesmo com o Castelhano ou o Catalão e os gestos, as imagens e o contexto eram o que ditava o sucesso da transmissão da informação. Com o tempo, o tratamento tornou-se mais próximo, a comunicação mais simples, os sorrisos mais facilmente decifráveis. A felicidade pura de estar a aprender algo que todos consideravam útil era evidente, mas, mais do que isso, o estar a fazê-lo com duas pessoas que os ouviam, que queriam conhecê-los e às suas histórias, que estavam genuinamente interessados neles, enquanto pessoas, trouxe-lhes aquilo que todos, sem exceção, mais precisavam: empatia, solidariedade, amizade. No último dia, falámos de ídolos (todos fãs de Cristiano Ronaldo, mesmo vivendo em “território inimigo”), de viagens e do futuro. A maior parte conseguia comunicar connosco, com frases simples em inglês, algo que não arriscavam sequer, nos primeiros dias e que nos deixou por demais orgulhosos do nosso singelo contributo.
As tardes e noites eram dedicadas à exploração e à imersão na comunidade local. Guiados por um grupo de colegas estudantes catalães, conhecemos os mecanismos internos e externos de uma cidade extremamente turística, mas, à sua maneira, também muito pitoresca e recheada de deliciosos recantos ocultos de cultura e história. Calcorreámos, por horas, ruas infindas, distraídos e absortos em conversa ou a tentar aprender a tocar canções no ukulele, que logo todos cantávamos em uníssono; fizemos jantares improvisados na praia ou no nosso terraço em Vallcarca; desbravávamos tudo o que nos era desconhecido, queríamos todos conhecer e saber mais e tivemos mesmo oportunidade de participar em algumas tradições locais, como o ball de diables (uma atividade pirotécnica muito divertida e nada assustadora, como podem ver na imagem); organizámos festas, celebrámos a vitória de Portugal no Europeu, partilhámos comidas tradicionais, e  experiências pessoais, saíamos para dançar e, assim, fomos os oito tecendo fortes relações entre nós, que se mantêm até aos dias de hoje.
Esta experiência fez-me apreciar a beleza da diferença. É um clichê, mas é a verdade. Mesmo vivendo numa sociedade global, unida (mais do que nunca!) pelo contacto rápido pela internet, é fácil, ainda assim, fechar os olhos ao que nos rodeia e existir numa bolha estéril, alheada de outras realidades que não a nossa própria. As nossas diferenças, fazem a diferença! Esse era o mote do nosso projeto, para o qual chegamos mesmo a fazer um pequeno vídeo (mais para recordação nossa), no qual documentamos aquilo nos une: o sorriso, a felicidade e o amor por ajudar.
Em jeito de conclusão gostava de dedicar este pequeno texto a esses amigos que fiz. É no coração que os guardo e às memórias que partilhámos e é impossível resumir nestas linhas a imensidão das mesmas. Espero que este pequeno texto tenha feito viajar, um pouquinho que seja, quem o estiver a ler e que vos traga uns ares de wanderlust, nesta fase em que é tão importante e determinante, para o futuro, o ficar em casa. Um abraço (com o devido distanciamento social) a todos.