Série de Minientrevistas COVID-19 – #3

Com a COVID-19 muita coisa mudou nos últimos tempos. Há cerca de 2 meses que Portugal parou, sendo a classe médica um dos muitos soldados na linha da frente do combate ao vírus.

Esta “Série de Minientrevistas – COVID-19” é uma iniciativa dos estudantes da Unidade Curricular – Integridade Académica da FMUP, coordenada pela Professora Laura Ribeiro, que pretende ouvir figuras conhecidas dos estudantes sobre assuntos emergentes da pandemia por COVID-19.

Vejam as respostas do nosso terceiro convidado, o Nuno Ferreira, Presidente da AEFMUP, nesta discussão sobre a atualidade, o futuro da educação médica e do nosso curso!

– Qual poderá ser o contributo dos estudantes de medicina dos anos básicos e clínicos no panorama actual?
R: Se é verdade que um estudante dos anos clínicos, em particular um finalista, tem um grau de responsabilidade já elevado, gostamos de transmitir que a partir do momento em que somos admitidos na FMUP existe a mesma responsabilidade e sentido de dever cívico e profissional entre todos. Isto leva a que, dentro das limitações do conhecimento e experiência de cada um, todos sejam chamados a ajudar o Serviço Nacional de Saúde e a sociedade num momento em que a Saúde de todos seja posta em causa. Para os mais avançados no curso, o mais adequado será exercerem funções que se assemelhem com a prática que terão de enfrentar enquanto internos, enquanto que os estudantes mais próximos do ciclo básico deverão fazer voluntariado mais geral, fazendo uso das capacidades e conhecimentos mais humanizadores do curso de Medicina que se afiguram fundamentais a lidar com pessoas, em particular pessoas em sofrimento ou em necessidade. O mais importante é cada um fazer aquilo para que está habilitado se sente capaz, sem qualquer preconceito e sob a devida supervisão sempre que necessário, e sem existir qualquer eventual tentativa de usurpação de funções a outras classes profissionais ou alturas do curso. Os estudantes de Medicina sabem o seu papel – que é fundamental.

– Que alterações poderá o curso sofrer, ao nível dos conteúdos e métodos de ensino, após esta pandemia? Haverá impacto na forma como os estudantes vão exercer medicina? 

R: Arrisco-me a dizer que o curso nunca mais será o mesmo depois de ultrapassada a COVID-19 (quando quer que isso aconteça). De forma mais ou menos forçada, os métodos de avaliação tiveram de se readaptar à nova realidade para dar resposta às necessidades de ensino à distância. Tendo sido ultrapassadas grande parte das barreiras a este método de ensino quero acreditar que os próprios docentes e os estudantes, em conjunto, chegarão à mesma resposta quando se questionarem: “Preciso de me deslocar a um anfiteatro para dar/escutar esta aula teórica/seminário ou posso fazê-lo no conforto do meu lar?”. Claro que, como em tudo na vida, aulas à distância terão os seus pros e contras, e aulas presenciais propiciam momentos de contacto que são essenciais para os docentes e para os estudantes – mais não seja para fomentar o espírito de comunidade e companheirismo que tanto prezamos. Mas é uma solução que, a meu ver, será apenas uma questão de tempo até ser implementada, pelo menos em parte das aulas, e que permitirá a utilização de materiais mais didáticos e apelativos para os estudantes.

– Como vê a profissão médica no final desta pandemia?  Será mais valorizada? Serão as condições profissionais melhoradas? 

R: Vejo frequentemente entre os meus colegas que as suas expectativas relativamente ao reconhecimento social e salarial da profissão que os espera não são cumpridas. Conforme a pergunta infere, um dos grandes problemas que identificamos é realmente a falta das melhores condições de trabalho mas, a meu ver, o grande problema que é a nossa geração terá de enfrentar é a falta de uma carreira estável e digna para todos. Solução? A urgente implementação de um Planeamento Integrado dos Recursos Humanos em Medicina que englobe ensino pré e pós graduado como um só.

Se será mais valorizada? Dependerá única e exclusivamente de como procedermos de agora em diante. Todos sabemos que nem sempre a profissão médica é tratada da forma que deveria ser pela opinião pública, e as posições assumidas pelos representantes da classe (incluindo nós) nesta altura em que todos precisam de nós, serão determinantes para moldar essa opinião pública. O timing em tudo o que fazemos é fundamental, e não é este o timing para reivindicarmos, por exemplo, melhores salários quando as preocupações de todos têm de estar sim na proteção de todos os profissionais de saúde que contactam com potenciais infetados e na saúde de todos os pacientes. O Serviço Nacional de Saúde precisa de todos unidos neste momento e acredito que, se estivermos lá para ele, também a sociedade estará lá para nós quando pusermos esse assunto na ordem do dia de novo. Porque ele tem de voltar e faremos para que volte! No tempo certo e com os argumentos certos.
– Que lições podemos tirar desta pandemia? 
R: Tenho aprendido imenso neste tempo de pandemia, o que não poderia calhar melhor tendo em conta que, na condição de estudante, encontro-me empenhado na aprendizagem não só do curso mas de todo o meio que nos envolve. Por partes:

A primeira lição que levo é a de que praticamente ninguém, desde o sistema legislativo, passando pelo sistema de saúde e acabando no tecido empresarial previu esta situação de crise e que, como esta aconteceu, muitas outras poderão acontecer. Todo o sistema se empenha a regular e legislar o “provável”, mas compreensivelmente poucos se dedicam a prever, regular e encontrar soluções para a exceção, para o estatisticamente improvável. O que complica e atrasa a eventual resposta quando o “estatisticamente improvável” mas possível acontece e medidas precisam de ser tomadas. Muitas das vezes não existem sequer planos de contingência delineados ou órgãos de “gestão de crise” preparados para tal o que acaba por atrasar a resposta a estes casos.

A segunda é a de que é realmente nas situações de crise e dificuldade que o melhor e pior das pessoas e instituições se sobressai. No caso da FMUP, esta tem-se demonstrado sempre preocupada com a satisfação estudantil e com a qualidade de ensino, e a pandemia em nada o mudou. Há UCs que eram mais ou menos empenhadas a lecionar e isso, curiosamente, manteve-se no ensino à distância. As mais motivadas encontraram soluções mais criativas mais rapidamente, enquanto que as menos dedicadas demoraram um pouco mais e foram menos longe. Para a AEFMUP, tenho de acrescentar, a reorganização do nosso plano de atividades no “Corona And” foi um desafio brutal que foi abraçado com imenso entusiasmo e fervor por todos, e fico contentíssimo com os resultados que temos conseguido alcançar. Com dirigentes menos empenhados teria sido impossível de o concretizar!

A terceira, e talvez a mais importante, é a de que as pessoas, por muito diferentes que sejam, são capazes de se unirem nos momentos mais difíceis por um objetivo comum sem ser necessário o recurso a qualquer tipo de coerção. Pediu-se aos portugueses para ficarem em casa e a população, no geral, correspondeu e foi cumpridora. Acho que isso diz muito de todos nós e deixa-me com confiança redobrada num futuro melhor para todos.

Entrevista realizada por Mário Silva.