Fábio Reis

ANGOLA

O meu nome é Fábio Reis e durante 2 meses, no verão de 2018, fiz uma missão de voluntariado no Lubango, em Angola. Falar desta missão não faz sentido sem falar primeiro do GAS’ África, uma organização de voluntariado, sem fins lucrativos, à qual me juntei durante um ano de formação e angariação de fundos, antes de partir em missão. Este grupo estrutura-se em quatro pilares fundamentais que geram o equilíbrio e propósito da organização, sendo eles o serviço, a simplicidade, a comunidade e a oração. Durante cada ano o grupo de formandos para além de receber formações semanais que visam a capacitação pessoal aos mais diversos níveis para preparar a ida em missão, organiza inúmeras atividades, como festivais de tunas, noites de bingo, o famoso GAS’Talks, entre muitos outros momentos de angariação de fundos que acabam por comportar as despesas das viagens e alimentação a todos os voluntários que partem em missão.

Falando agora do tempo no Lubango, passamos por diversas localidades que estavam sobre a alçada do Padre Luís, o responsável local pela nossa missão, como Mambandi, Vivi-Vivali, Kavitchapi, Tchiva, Nongongue e Cacula (ponto principal de ação) e tivemos a feliz oportunidade de poder ficar alojados em algumas dessas pequenas localidades o que facilitou o contacto com a comunidade local. Fomos, portanto, uns nómadas, em que a cada semana que passava, pegávamos em tudo o que era essencial para assegurar uma semana de alimentação e formação, e pouco mais era preciso, e partíamos para um novo local!

No meu grupo de missão, juntamente com a Sofia, fiquei responsável por prestar formações de saúde a adultos, onde falávamos de temas como os primeiros socorros e o suporte básico de vida, alimentação saudável, comportamentos de risco, alcoolismo, consumo de drogas, higiene, entre outros. A Sara e a Babá ficaram responsáveis por falar da importância do empreendedorismo local e maneiras de construir um negócio e a Joana e a Rute falaram sobre a educação e a importância da língua portuguesa. Já aos adolescentes e jovens adultos falamos do auto-conhecimento, participação cívica e voluntariado, bem como gestão de recursos.  Fora das formações estávamos essencialmente com crianças com quem fazíamos jogos e outras atividades educativas e didáticas. Fornecemos 2 níveis de formação: o primeiro visava dar conhecimentos mais generalistas dos temas supra-mencionados e o segundo nível dirigido apenas a algumas pessoas selecionadas de cada uma das localidades, que tiveram um melhor desempenho no primeiro nível, com vista a pegar nos conhecimentos que lhes tínhamos transmitido, aprofundá-los e torná-los capazes de transmitir essa informação a outras pessoas. E é uma sensação incrível, 2 anos após regressar a Portugal, continuar a receber o feedback dos meus formandos, verdadeiros promotores da saúde das suas comunidades, a dizer como estão a correr as formações que eles próprios estão a dar em locais onde nunca teria oportunidade de ir e a pessoas a quem nunca conseguiria chegar, porque nem português sabem falar, apenas falam em dialetos (nyaneka e umbundu – os principais daquela região).

Mas falar da minha missão é muito mais do que falar do serviço que prestei em termos formativos… Falar de missão é falar de Angola, da sua terra vermelha e de cada pôr-de-sol parecer ser melhor que o do dia anterior, das suas paisagens intocadas e indescritíveis, do melhor céu estrelado que vi e mil e uma outras coisas que é preciso ver para perceber. É falar das pessoas que caminhavam mais de 6 horas por dia para poderem assistir às nossas formações debaixo de árvores. Pessoas que tinham uma vontade incrível de aprender, mas que não tinham um décimo das ferramentas que nós temos em Portugal para o fazer e que frisavam inúmeras vezes a gratidão que sentiam por nós lá estarmos e por falarmos de temas tão pertinentes naquelas comunidades, fazendo a maior festa no final da semana, na entrega de certificados de formação, por vezes chorando de alegria!

Angola é estar tudo bem mesmo quando não estávamos alojados em casas com grandes condições, não tendo praticamente água ou só ter luz das 18h às 22h (quando tínhamos), de ter de dormir dois meses em colchonetes, etc. E porquê? Porque sempre fomos recebidos da melhor forma pela comunidade local e estavam constantemente preocupados connosco e também porque sabíamos que à nossa volta as condições de vida não eram nada melhores. E de qualquer das formas o que é que isso importava quando tínhamos os nossos jantares à volta da fogueira e dançávamos o funica pela noite dentro!?

Angola é terra de gente com o coração quente e puro, em que agradecem só por lhes dizer “olá”, de pessoas sem maldade nenhuma, que por muito pouco que tenham partilham o que têm uns com os outros. Terra de crianças frenéticas e de alegria contagiante que tinham um olhar profundo que pareciam ser capazes de nos tocar na alma. Estas pessoas e o seu modo de vida ensinam-me muito mais do que aquilo que eu lhes ensinei e eles não fazem a mínima noção disso. Julgam-nos como deuses imaculados, não acreditando por exemplo que em Portugal também há camponeses, que ainda há pessoas que tal como eles têm bois que puxam charruas, ou que também há mata em Portugal… Trateio-os sempre como se fossem da minha família, e tentei fazê-los perceber o valor que existe dentro de cada um deles, que são únicos e especiais da sua própria maneira. E por outro lado eles ensinaram-me, embora nem saibam, a dar valor ao que realmente importa, às pequenas coisas do dia-a-dia, aos sorrisos, ao amor pelo próximo e de ajudar sempre mais e mais quem me rodeia.

Fábio Reis

Tuli tusse – Estamos juntos! (Como em Angola se dizia nas despedidas, o que mais uma vez prova a união daquele povo)