Série de Minientrevistas COVID-19 – #1

Com a COVID-19 muita coisa mudou nos últimos tempos. Há cerca de quase 2 meses que Portugal parou, sendo a classe médica um dos muitos soldados na linha da frente do combate ao vírus.

Esta “Série de Minientrevistas – COVID-19” é uma iniciativa dos estudantes da Unidade Curricular – Integridade Académica da FMUP, coordenada pela Professora Laura Ribeiro, que pretende ouvir figuras conhecidas dos estudantes sobre assuntos emergentes da pandemia por COVID-19.

Vejam as respostas do nosso primeiro convidado, o Professor Altamiro da Costa Pereira, Médico, investigador, professor e atual Diretor da FMUP, nesta discussão sobre a atualidade, o futuro da educação médica e do nosso curso!

– Qual poderá ser o contributo dos estudantes de medicina dos anos básicos e clínicos no panorama actual?
R: Essencialmente, os estudantes da FMUP devem continuar a estudar, tentando aproveitar estes dias de maior sossego, e até de algum isolamento, para refletirem sobre as contingências da vida e sobre a sua imprevisibilidade. Na verdade, não há muitas coisas que consigamos, de facto, controlar nas nossas vidas, desde os namoros que tanto chegam como partem, até às doenças que nos vão aparecendo a nós ou aos nossos amigos e familiares. Mas há algumas coisas que estão nas nossas mãos, tais como estudar e ajudar os Colegas a fazerem o mesmo, de modo a acabarem o curso, bem preparados para enfrentar qualquer pandemia que nos venha a desafiar no futuro!

– Que alterações poderá o curso sofrer, ao nível dos conteúdos e métodos de ensino, após esta pandemia? Haverá impacto na forma como os estudantes vão exercer medicina? 

R: O grande impacto no vosso curso já se está a sentir, sobretudo na forma não presencial como o ensino se está a processar neste momento. Acho que, no futuro, haverá mais espaço para as aulas virtuais e para o projeto FMUP OnLine, embora as atividades presenciais sejam igualmente imprescindíveis, tendo até que ser mais valorizadas do que o foram no passado! A experiência pessoal no terreno é crucial e, por isso, as horas de ensino presencial e as interações com o real deverão, paradoxalmente, ser ainda mais valorizadas e aproveitadas do que até agora o foram.

De resto, dever-se-á privilegiar o essencial. Tanto ao nível de conceitos (p.ex. terminologia anatómica) como de raciocínios, básicos e avançados, capazes de preparar os estudantes de Medicina para um mundo em permanente mudança e, por isso, em constante necessidade de aprendizagem e de adaptação. Por exemplo, os estudantes não deveriam estar, por vezes, tão fixados no acessório e em conhecimentos transitórios – demasiado dependentes da memória, da ciência efémera ou das tecnologias do momento –, que poderão ser sempre melhor pesquisados e estudados usando ferramentas digitais através da internet que, pela sua natureza, estarão sempre um pouco mais atualizadas e completas. 

– Como vê a profissão médica no final desta pandemia?  Será mais valorizada? Serão as condições profissionais? 

R: Talvez. Pelo menos durante uns tempos. Mas a memória é sempre relativamente curta e limitada e, no espaço de uma geração, tudo mudará. De qualquer modo, a profissão médica foi sempre bastante valorizada ao longo dos últimos milénios. Bem mais do que a maioria de todas as outras.

Com a sua natural e necessária massificação, no mundo de hoje e de amanhã, fruto até do seu próprio sucesso social, as condições profissionais (leiam-se os níveis salariais dos médicos e outros privilégios de que tenham vindo a gozar) tenderão, muito provavelmente, a diminuírem proporcionalmente, ou até a degradarem-se um pouco, como se deduz da forma como, por vezes, estes profissionais são já tratados por públicos impacientes ou até agressivos.

Contudo, a única forma de se combater isso é formar médicos que sejam não apenas bons técnicos, mas também profissionais mais cultos, mais humanos, mais criativos e, sobretudo, mais capazes de serem líderes inovadores! E, para isso, a sua atenção às questões da investigação biomédica, clínica ou epidemiológica, terá de ser ainda maior do que é hoje. Por isso são tão importantes disciplinas mais básicas relativas aos métodos científicos da investigação em saúde nos primeiros anos do curso, bem como a unidade curricular de projeto de opção ou de dissertação no último ano.

Ou seja, os médicos terão de ser, por um lado, mais académicos e visionários e, por outro, mais compassivos e, esperemos também, menos mercenários!  Infelizmente, também estes últimos têm proliferado recentemente, fruto das pressões de alguma medicina privada, menos preocupada com o princípio do “primum non nocere” do que com os almejados lucros imediatos.

– Que lições podemos tirar desta pandemia? 
R: Serão certamente muitas. E, por isso, teremos que estudar muito bem as dificuldades e as limitações que tivemos durante o seu combate, para aprendermos com os erros que foram cometidos. Neste momento, já nos apercebemos de que foram alguns (ou até muitos): desde a falta de adequados e atempados planos de contingência – a nível nacional, regional ou local – até à questão da relativa escassez de testes, de equipamentos de proteção individual ou à questão da comunicação (algo confusa e por vezes relativamente pouco credível) veiculada por autoridades de saúde como a OMS ou a DGS.

Na verdade, são muitas as ilações que teremos de retirar se não quisermos vir a pagar um preço ainda mais elevado numa segunda vaga ou numa próxima pandemia. Mas, talvez a maior de todas as lições seja a de que as sociedades mais evoluídas, social e tecnologicamente, organizacional e culturalmente, não esquecendo as que possuem melhores lideranças políticas, são aquelas que melhor sobrevivem e sobreviverão. Pois num mundo global estaremos sempre em competição pela eficiência de resultados alcançados ou pela minimização de danos!

Ou seja, ou damos cada vez mais valor ao mérito, ao conhecimento e às verdadeiras lideranças e elites ou então sucumbimos às mãos dos incompetentes, dos populistas ou dos charlatães!

E compete-nos a todos nós percebermos essas diferenças, seja nestes tempos de guerra como noutros de paz. Seja em tempos de festa e de futebol como em tempos eleitorais! Senão, ninguém o fará por nós. Nem a Natureza ou, neste caso, o vírus, se compadecerá connosco ou com as nossas esfarrapadas desculpas pessoais, como Escola ou como Sociedade!

Entrevista realizada por Mário Silva.